domingo, 12 de outubro de 2008

PRIMAVERA GÓTICA (João Paulo Feliciano Magalhães




É noite. Meus passos acelerados naquelas curvas sibilantes. Os carros que, outrora passaram rallentando o asfalto, agora aceleram diante da pista tentadora, tal qual boca de vampira. Passos, rodas, sistema cardiovascular... tudo acelerado! Tudo num ritmo frenético, mesmo depois das onze da noite.
Árvores, muros, lojas, casas, carros abandonados, igrejas em “vigília”... meus olhos passavam por tudo, instagmamente, bebericando dos raios e sombras que se fundiam naquelas curvas. Para cada lugar, uma palavra me vinha à mente: ora doces, ora letais, mas sempre frenéticas, sanguíneas, sibilantes como as curvas.
Meu celular: “Não, ainda não cheguei! Desisti do ônibus; resolvi ir a pé”. Discurso preocupado?! Não há tempo para pensar nisso... a noite e o silêncio estão a dizer tudo. Tudo mesmo, desde os primeiros sussurros, até os voluptuosos gritos: “Saia!... Tive vergonha de você!... Não me ouve!... Sinto-me solitária!... É maior do que eu!...” Não há tempo, definitivamente não há tempo para pensar... enunciados eloqüentes – até certo ponto – mas frios e anavalhados.
“Alô!... Falta pouco!”... e cada giro das rodas eram um dia girado no carrossel dos anos – com pouca luz, mas de luz. Meus passos já não cabem em mim... quero correr... correr, não sei do que, mas de quem eu sei...
O “termo inflacionado”, presente nos discursos dos namorados, certamente foi o mais eloqüente em minha mente dissonante. Ecoava como num violão de cedro bom, resplandecia como o metal nobre do dedo – agora desalquimisado --, vibrava... tilintava... enlouquecia... mas não morria, como não morreu. Tal termo deveria ser gasto não com o “ser gasto”, mas com o ser de alma simétrica ao sentido de tal palavra. Parece combustível dos meus pés.
“Fique em paz! Eu te ligo quando chegar!”... mas e a minha paz? O que é a paz numa escala hipócrita “porto seguro” a um mero “romântico”, com suas “coisas de romântico”? A paz não está nas palavras, nem em sua ausência, mas na sabedoria de usá-las ou deixar de usá-las – e o silêncio continua a dizer. Passos... rodas... coração... portas... muros... bocas... mãos... olhos... palavras... silêncio... mãos... passos... porta... coração... rodas... muros... olhos... palavras... silêncios... gritos....
-- Hei, que horas você vai trabalhar hoje?
-- Às sete. Que horas são?
-- Seis!
-- E o dia?
-- Hoje é... vinte e oito de agosto.
-- É... um dia depois dos vinte e sete...

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